segunda-feira, 15 de junho de 2009

A BANDA E A PARADA

Lembram da música que o Chico compôs no auge da ditadura intitulada “A Banda”? O começo é bem assim: Estava a toa na vida/Meu amor me chamou/Pra ver a banda passar/Cantando coisas de amor/A minha gente sofrida/despediu-se da dor/Pra ver a banda passar/Cantando coisas de amor.

Ontem, ao caminhar por aquele mar de gente descendo a Consolação, na 13ª Parada do Orgulho LGBT, – eu seguia no contra fluxo para ir no trio 18 da CTB – veio à memória essa canção que, entre as diversas leituras possíveis, me permite entender o significado da rua, da comunhão entre as pessoas e da quebra do isolamento instituído pela cultura capitalista.

Éramos uma grande banda que passava cantando “Sem Homofobia, mais cidadania, pela isonomia de direitos” como quem canta coisas de amor. Pessoas estigmatizadas por sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, por sua condição de classe, por sua raça formavam uma grande gente sofrida que seguia os trios como quem despede da dor só para ver a banda passar. E passava.

Homens sérios que contavam dinheiros, faroleiros que contavam vantagens e enamorad@s que contavam as estrelas pararam para ver a grande alegria pública passar a Paulista e descer a Consolação. Moças tristes sorrindo, famílias, idosos pendurados na janela e tod@s vendo aquela multidão anônima, barulhenta e alegre se espalhar na avenida e insistir, com toda a cidade enfeitada das cores do arco-iris, nas coisas que expressam o amor.

No dia seguinte, uma enxurrada de matérias, artigos, leituras que desencantam e nos faz lembrar que o que é doce acaba. Seja o Estadão dando visibilidade ao 0,1% de acidentes e incidentes ou seja o Mix lamentando a ausência dos carros de boates, vemos os discursos negativos operarem-se como tentativa de quebra do encanto doce da rua, da comunhão entre pessoas que mal se conhecem, mas se beijaram, se olharam, se encontraram e até se amaram. E cada qual vai pro seu canto, pro seu desencanto, na dor de pensar que não somos aceitos, não somos permitidos a existir e retomamos o dia seguinte em nossas máscaras, chatices, burrices, para reviver o cotidiano de isolamento da lógica capitalista e burguesa.

Contudo, recorre-me como um estalo: os grupos LGBT’s continuam a existir, continuam o dia seguinte e mais de cem paradas ainda estão por acontecer no Estado e no País. Me lembro que em Santo André, em Guarulhos, em Jandira ou em outras cidades próximas que não me faça gastar muito haverá essa banda onde eu possa reviver essas coisas que falam de amor. E nelas poderei reencontrar os rostos anônimos que beijam, que se olham e que sorriem e me confirmam a existência e alegria de eu ser gay e me afirmam a certeza de que não sou aberração, não sou um estranho sozinho nessa terra normalista de pessoas estranhas e sozinhas. Se a banda do Chico passou e deixou de cantar, essa grande banda passa, canta e volta ao ponto inicial para repassar e recantar e repetir e fazer-me saber que sim! – minha existência afetiva é real pela insistência dessa banda cantando as coisas de amor.

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