Pagu
da pá virada
Seu
nome de batismo era Patrícia Rehder Galvão, entretanto, após uma confusão do
poeta Raul Boop, que achando que ela chamava-se Patrícia Goulart, deu lhe o
apelido de Pagu, nome que a tornou uma imortal para aqueles que a conheceram,
e a colocou nas páginas dos livros de história para as futuras gerações.
Filha
de uma família tradicional, Pagu nasceu no dia 9 de junho de 1910 na cidade de
São João da Boa Vista e mudou-se para capital em 1912, então com dois anos de
idade. Morou na Liberdade, no Brás, na Aclimação, na Bela Vista e em uma
chácara no então município de Santo Amaro. Depois de breves períodos no Rio de
Janeiro e em Paris, para fugir da repressão, mudou-se para Santos, onde morreu
em decorrência de um câncer. Por conta da doença, Patrícia tentou suicídio, o
que não se consumou. Sobre o episódio, ela escreveu no panfleto "Verdade e
Liberdade": "Uma bala ficou para trás, entre gazes e lembranças
estraçalhadas".
Ainda
na adolescência já era considerada uma mulher a frente de seu tempo, pois já cometia
“extravagâncias" como: Fumar na rua, usar blusas transparentes, manter os
cabelos bem cortados e eriçados e dizer palavrões, comportamento considerado
abusivo para uma moça daquela época. Aos quinze anos passou a colaborar no
jornal "Brás Jornal" com o pseudônimo de Patsy. Aos 18 anos,
integrou-se ao movimento antropofágico, de cunho modernista, sob a influência
de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade que anos depois se divorciaria de
Tarsila para casar-se com ela, tornando-se pai de seu primeiro filho, Rudá de
Andrade.
Ao
lado de Oswald, iniciou sua carreira política ao filiar-se no partido
comunista. Aos 20 anos de idade, após incendiar o bairro do Cambuci em protesto
contra o governo provisório, comandou uma greve de estivadores em Santos, onde
foi presa pela primeira vez, das 23 prisões que ainda iriam ocorrer ao longo da
vida, tornando-a primeira mulher a ser presa no Brasil por motivos políticos.
Sua
vida política sempre andou de mãos dadas com sua vida literária. Em 1933
publicou o romance "Parque Industrial", sob o pseudônimo de Mara
Lobo, considerado o primeiro romance proletário brasileiro. Em 1940, após
filiar-se ao Partido Comunista da França, passar cinco anos presa, ser
torturada pela ditadura de Getulio Vargas, desligou-se do PCB e aderiu ao
trotskismo e então passou a incorporar à redação do jornal "A Vanguarda
Socialista". Em 1945, já separada de Oswald, casou-se com Geraldo Ferraz,
jornalista da “Tribuna de Santos", cidade onde passaram a viver e em 1946,
passou a ser colaboradora regular no Suplemento literário do “Diário de S.
Paulo”. Nessa época, já era mãe de Geraldo Galvão Ferraz, seu segundo filho,
fruto de seu segundo casamento.
Pagu
também tentou sem sucesso, uma vaga de deputada estadual nas eleições de 1950,
frequentou a Escola de Arte Dramática de São Paulo, escreveu contos policiais,
sob o pseudônimo King Shelter, publicados originalmente na revista Detective,
dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, foi correspondente de vários
jornais, entrevistou Sigmund Freud, assistiu à coroação de Pu-Yi, o último
imperador chinês, trabalhou como crítica de arte revelou e traduziu grandes
autores até então inéditos no Brasil como James Joyce, Eugène Ionesco, Fernando
Arraba e, por intermédio de Pu-Yi, conseguiu sementes de soja, que foram
enviadas ao Brasil e introduzidas na economia agrícola do país.
No
dia 11 de Dezembro de 1962, um dia antes de sua morte, um último texto seu foi publicado,
o poema "Nothing".
Nothing
Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas
o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna
quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e
vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu
a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão
engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.
.
Por Luciana Faustine
Portal vermelho. Cem anos de Pagu, musa do modernismo,
http://www.pagu.com.br/blog/obras-e-textos-pagu/nothing/
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