domingo, 15 de março de 2015

Pagu da pá virada

Seu nome de batismo era Patrícia Rehder Galvão, entretanto, após uma confusão do poeta Raul Boop, que achando que ela chamava-se Patrícia Goulart, deu lhe o apelido de Pagu, nome que a tornou uma imortal para aqueles que a conheceram, e a colocou nas páginas dos livros de história para as futuras gerações.

Filha de uma família tradicional, Pagu nasceu no dia 9 de junho de 1910 na cidade de São João da Boa Vista e mudou-se para capital em 1912, então com dois anos de idade. Morou na Liberdade, no Brás, na Aclimação, na Bela Vista e em uma chácara no então município de Santo Amaro. Depois de breves períodos no Rio de Janeiro e em Paris, para fugir da repressão, mudou-se para Santos, onde morreu em decorrência de um câncer. Por conta da doença, Patrícia tentou suicídio, o que não se consumou. Sobre o episódio, ela escreveu no panfleto "Verdade e Liberdade": "Uma bala ficou para trás, entre gazes e lembranças estraçalhadas".

Ainda na adolescência já era considerada uma mulher a frente de seu tempo, pois já cometia “extravagâncias" como: Fumar na rua, usar blusas transparentes, manter os cabelos bem cortados e eriçados e dizer palavrões, comportamento considerado abusivo para uma moça daquela época. Aos quinze anos passou a colaborar no jornal "Brás Jornal" com o pseudônimo de Patsy. Aos 18 anos, integrou-se ao movimento antropofágico, de cunho modernista, sob a influência de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade que anos depois se divorciaria de Tarsila para casar-se com ela, tornando-se pai de seu primeiro filho, Rudá de Andrade.

Ao lado de Oswald, iniciou sua carreira política ao filiar-se no partido comunista. Aos 20 anos de idade, após incendiar o bairro do Cambuci em protesto contra o governo provisório, comandou uma greve de estivadores em Santos, onde foi presa pela primeira vez, das 23 prisões que ainda iriam ocorrer ao longo da vida, tornando-a primeira mulher a ser presa no Brasil por motivos políticos.

Sua vida política sempre andou de mãos dadas com sua vida literária. Em 1933 publicou o romance "Parque Industrial", sob o pseudônimo de Mara Lobo, considerado o primeiro romance proletário brasileiro. Em 1940, após filiar-se ao Partido Comunista da França, passar cinco anos presa, ser torturada pela ditadura de Getulio Vargas, desligou-se do PCB e aderiu ao trotskismo e então passou a incorporar à redação do jornal "A Vanguarda Socialista". Em 1945, já separada de Oswald, casou-se com Geraldo Ferraz, jornalista da “Tribuna de Santos", cidade onde passaram a viver e em 1946, passou a ser colaboradora regular no Suplemento literário do “Diário de S. Paulo”. Nessa época, já era mãe de Geraldo Galvão Ferraz, seu segundo filho, fruto de seu segundo casamento.

Pagu também tentou sem sucesso, uma vaga de deputada estadual nas eleições de 1950, frequentou a Escola de Arte Dramática de São Paulo, escreveu contos policiais, sob o pseudônimo King Shelter, publicados originalmente na revista Detective, dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, foi correspondente de vários jornais, entrevistou Sigmund Freud, assistiu à coroação de Pu-Yi, o último imperador chinês, trabalhou como crítica de arte revelou e traduziu grandes autores até então inéditos no Brasil como James Joyce, Eugène Ionesco, Fernando Arraba e, por intermédio de Pu-Yi, conseguiu sementes de soja, que foram enviadas ao Brasil e introduzidas na economia agrícola do país.

No dia 11 de Dezembro de 1962, um dia antes de sua morte, um último texto seu foi publicado, o poema "Nothing".

Nothing

Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada

Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada

Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.

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Por Luciana Faustine


 Portal vermelho. Cem anos de Pagu, musa do modernismo, 
http://www.pagu.com.br/blog/obras-e-textos-pagu/nothing/


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